Pus o meu sonho num navio e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos, para o meu sonho naufragar
Minhas mãos ainda estão molhadas do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe, a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo meu sonho, dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso, para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito; praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras e as minhas duas mãos quebradas.
2 comentários:
Se penso mais que um momento
Na vida que eis a passar,
Sou para o meu pensamento
Um cadáver a esperar.
Dentro em breve (poucos anos
É quanto vive quem vive),
Eu, anseios e enganos,
Eu, quanto tive ou não tive,
Deixarei de ser visível
Na terra onde dá o Sol,
E, ou desfeito e insensível,
Ou ébrio de outro arrebol,
Terei perdido, suponho,
O contacto quente e humano
Com a terra, com o sonho,
Com mês a mês e ano a ano.
Por mais que o Sol doire a face
Dos dias, o espaço mudo
Lambra-nos que isso é disfarce
E que é a noite que é tudo.
Fernando Pessoa
Triste realidade.
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