terça-feira, fevereiro 27, 2007

Cecília Meireles


Pus o meu sonho num navio e o navio em cima do mar;

- depois, abri o mar com as mãos, para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas do azul das ondas entreabertas,

e a cor que escorre de meus dedos colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe, a noite se curva de frio;

debaixo da água vai morrendo meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso, para fazer com que o mar cresça,

e o meu navio chegue ao fundo e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito; praia lisa, águas ordenadas,

meus olhos secos como pedras e as minhas duas mãos quebradas.

2 comentários:

Maria Strüder disse...

Se penso mais que um momento
Na vida que eis a passar,
Sou para o meu pensamento
Um cadáver a esperar.

Dentro em breve (poucos anos
É quanto vive quem vive),
Eu, anseios e enganos,
Eu, quanto tive ou não tive,

Deixarei de ser visível
Na terra onde dá o Sol,
E, ou desfeito e insensível,
Ou ébrio de outro arrebol,

Terei perdido, suponho,
O contacto quente e humano
Com a terra, com o sonho,
Com mês a mês e ano a ano.

Por mais que o Sol doire a face
Dos dias, o espaço mudo
Lambra-nos que isso é disfarce
E que é a noite que é tudo.

Fernando Pessoa

Anónimo disse...

Triste realidade.