Assassinos

Espero pela noite da vida, pelo amanhecer da eterna solidão, pela paz, que da guerra, só conheço o teatro. Anseio pelos sete pés de terra sem nome, aspiro ao olvido, clamo conscientemente ao eterno esquecimento. Triste fatalidade, nascer louco num lúcido mundo. Já nada me perturba, nem o vácuo de emoções. Imperturbado, assisto à torpe representação da comédia humana. Apenas fantasmas sem alma, contentes de assim o ser, representam esperançosos dos aplausos ignobeis da enfastiada plateia. Também eu estou enfastiado, sombrio, tresloucado de tanto vinho representando sangue, do pão que é carne, da cruz da tormentosa dor perene. Mil mortos trespassam o ar que respiro, ouço os seus lamentos, sinto a sua incontrolável fúria, todos, todos eles gritam vingança. Todas as noites eles me soltam do sono, sinto as suas garras aguçadas no meu corpo, puxando, rasgando a tenra carne. Demónios, todos vós se saciam com o meu sangue, com a minha alma, com a minha leviana fraqueza. Apenas desejo veneno para me inocular, quero senti-lo, ardentemente, a circular nas minhas veias, nas artérias, no meu há muito morto coração. Seres desprezáveis, quem vos concebeu? Da desgraça vós alimentais os vossos filhos, com as atrocidades os divertis e na demência encontrais a preceptora. Ouço as vossas ameaças murmuradas, o vosso medo incutido e a minha morte sentida. Como agora é doce o vosso laço, como é lânguido o vosso abraço, suave como veludo, agora não receio, agora sei tudo.